São válidos as convenções e os acordos coletivos de trabalho que restringem ou limitam direitos trabalhistas, mesmo sem compensação, desde que não se tratem de direitos com previsão constitucional.

Esse foi o entendimento majoritário do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para quem as normas coletivas que restringem direitos não previstos na Constituição devem prevalecer sobre a legislação, no julgamento encerrado nesta quinta-feira (2/6).

Relator do caso, Gilmar Mendes teve voto acompanhado pela maioria dos ministros

Na quarta-feira (1º/6), representantes de entidades patronais e obreiras fizeram suas sustentações.

A sessão foi encerrada após a Procuradoria-Geral da República manifestar-se pela procedência da ação proposta pela Mineração Serra Grande S.A., que questionou acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) que anulou a aplicação de norma coletiva que afastava o pagamento de horas de trajeto (in itinere) pelo tempo de ida ou de retorno do trabalho com veículo fornecido pela empresa.

A Serra Grande alega que está localizada a apenas 3,5 quilômetros da zona urbana, o que possibilita que o trajeto seja realizado a pé ou por outros meios de transporte.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, votou pela procedência da ação. O ministro destacou que a jurisprudência do STF tem reconhecido a natureza constitucional de normas coletivas que afastam ou limitam direitos trabalhistas.

“Justamente por ser clara a opção do constituinte de privilegiar a força normativa dos acordos e convenções coletivas de trabalho, a jurisprudência recente deste Supremo tem reconhecido que o debate sobre a validade de normas coletivas que afastam ou limitam direitos trabalhistas possui natureza constitucional”, disse Gilmar.

Embora votando pela procedência, o relator fez uma ressalva. No caso concreto, o acordo pode prevalecer, desde que faça parte de patamar civilizatório mínimo de direitos fundamentais trabalhistas. O ministro André Mendonça acompanhou integralmente o voto do relator, inclusive na repercussão geral. 

O ministro Nunes Marques também julgou procedente a ação em sua integralidade. “Considero válida a norma coletiva que restrinja ou reduza direitos, desde que não aqueles que previstos na Constituição Federal”, destacou ele.

Outro que seguiu integralmente o voto do relator foi o ministro Alexandre de Moraes. “Não é possível um acordo ou convenção coletiva afastar um direito social consagrado, incorporado por tratados internacionais ao ordenamento jurídico, mas, sim, é possível a negociação de direitos disponíveis, que é o caso das horas in itinere“.

O ministro Luís Roberto Barroso também votou pela procedência da ação da Serra Grande. Em seu voto, ele sustentou que o negociado deve prevalecer sobre o legislado, desde que a norma acordada respeite o mínimo civilizatório. Seguindo o mesmo entendimento, os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia também julgaram procedente a ação.

Hora da divergência

O ministro Luiz Edson Fachin abriu a divergência. Para ele, admitir cláusulas de acordo ou convenção que reduzam direitos é um retrocesso social, ferindo os artigos 4º, I, e 7º da Constituição Federal.

“Entendo que o imperativo de efetividade desses direitos sucede um dever de não regressividade, a demandar que medidas de restrição a seu exercício se dê sob justificação concernente a totalidade de direitos sociais, econômicos e culturais em atenção a um patamar civilizatório mínimo que está na própria Constituição”, afirmou ele.

O último voto foi da ministra Rosa Weber, que presidiu a sessão em razão de o presidente da corte, ministro Luiz Fux, ter se declarado impedido. A ministra julgou improcedente a ação, acompanhando a divergência. Em seu voto, ela destacou que o atual contexto de altos índices de desemprego e instabilidade econômica gera o enfraquecimento sindical, o que torna a negociação coletiva desigual entre as partes.

“A fonte de intensidade mais forte, maior, de favor mais forte prevalece sobre a mais débil apenas em ordem a garantir as condições mínimas. Acima do mínimo se impõe o inferior que preveja condições mais favoráveis para os trabalhadores”, disse Rosa Weber.

O advogado Marcus Vinícius Furtado Coelho, que atuou ao longo do processo em defesa da Confederação Nacional da Indústria, entidade que participou como amicus curiae, elogiou a decisão dos ministros do Supremo.

“Uma decisão racional e equilibrada do STF, pois estimula o acordo como uma forma civilizada de superar conflitos.

A Constituição prevaleceu no ponto em que prevê o acordo coletivo como um direito social fundamental”, avaliou ele.

ARE 1.121.633 (Tema 1046)

Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2022,

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